SALVEMOS A DEMOCRACIA!

Dom Reginaldo Andrietta
Bispo Diocesano de Jales

A comemoração do Golpe Militar de 1964, determinada pelo atual Presidente da República, para as unidades militares, está sendo amplamente rechaçada, tendo sido, inclusive, questionada pela Procuradoria Federal dos Direitos do Cidadão, órgão vinculado ao Ministério Público Federal. Uma ação civil pública contra a União, da Defensoria Pública da União, resultou em proibição judicial a essa comemoração e na advertência ao presidente sobre sua ofensa à “moralidade administrativa” e seu estímulo “a novas rupturas com a Democracia e o Estado de direito”.

A ditadura de 21 anos foi uma das mais longas da República. Ela endureceu-se a partir de 1968. O Congresso Nacional foi fechado. Realizaram-se cassações de políticos, funcionários públicos e dirigentes sindicais, bem como prisões arbitrárias, torturas, desaparecimentos e assassinatos. A Secretaria Especial de Direitos Humanos do Ministério da Justiça, no seu relatório intitulado “Direito à Memória e à Verdade”, publicado em 2007, declarou que houve pelo menos 475 mortos e desaparecidos políticos no Brasil, durante esse período.

Cerca de 50.000 pessoas foram presas por razões políticas. Muitíssimas foram torturadas, algumas até à morte. Muitos líderes políticos, sindicalistas, educadores, intelectuais, artistas e religiosos foram obrigados a viver no exílio. A anistia de 1979, no tempo da “abertura política”, foi, também, uma autoanistia dos agentes de Estado, ou seja, para governantes, militares e policiais, temerosos com as consequências para si do terrorismo de Estado, pelo qual estavam sendo responsabilizados. A inclusão dos crimes “conexos” aos crimes políticos, na lei de anistia, a comprova.

Apesar dessa incoerência, o Estado de direito foi reconquistado por meio de muitas lutas sociais e reinstituído pela Constituinte de 1987-1988. Desde então, o Estado deve, conforme o preâmbulo da Constituição, “assegurar o exercício dos direitos sociais e individuais, a liberdade, a segurança, o bem-estar, o desenvolvimento, a igualdade e a justiça como valores supremos de uma sociedade fraterna, pluralista e sem preconceitos, fundada na harmonia social e comprometida, na ordem interna e internacional, com a solução pacífica das controvérsias”.

O primeiro a dar exemplo de reverência à ordem democrática, deve ser, portanto, o Presidente da República. No entanto, sua afirmação, anterior mesmo à sua eleição, de que “o erro da ditadura foi torturar e não matar”, não condiz com a própria ética cristã, da qual ele se pretende um arauto. O Papa Francisco já havia manifestado em 2014, que “torturar as pessoas é um pecado mortal”. A Organização das Nações Unidas, por sua vez, sempre condenou a tortura como um dos atos mais vis cometidos por seres humanos contra seus semelhantes.

Jesus, ele mesmo, sofreu condenação injusta e tortura. Sua misericórdia, expressa pela oração “Pai, perdoa-lhes! Eles não sabem o que fazem!” (Lc 23,34), no entanto, não amenizou sua exortação a seus discípulos: “Sabeis que os chefes das nações as dominam e os grandes impõem sua autoridade. Entre vós não seja assim. Quem quiser ser o maior, no meio de vós, seja aquele que serve, e quem quiser ser o primeiro, no meio de vós, seja vosso servo, da mesma forma que o Filho do Homem não veio para ser servido, mas para servir e dar sua vida em resgate de muitos” (Mt 20,25-28).

A Igreja, inspirada em Cristo, propõe a superação da violência, promovida, também, pelo Estado, e estimula a participação cidadã na elaboração e implementação de políticas públicas em prol do bem social, como exercício da democracia participativa. Afinal, nossa Constituição declara que “o poder emana do povo”, podendo ser por ele exercido “diretamente” (cf. Art. 1º). Recusemos, portanto, comemorar e sustentar ditaduras! Salvemos a democracia, conquistando nossa participação direta nas decisões sobre o presente e os destinos de nossa nação!

Jales, 04 de abril de 2019

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